terça-feira, 20 de maio de 2014

Lembranças de Oriximiná

Oriximiná não foi a terra em que eu nasci
Mas foi onde meus pais escolheram pra viver
Lá cresci, brinquei, estudei, amigos eu conquistei
Tinha o bole-bole de caroço polido de mucajá 
Pular elástico no intervalo das aulas era a sensação
A curumizada fechava a rua para brincar de bandeirinha
Depois de muito correr e suar tinha que tomar banho pra tirar o pixé
Os meninos atentados de boa pontaria balavam as osgas e os calangos 
Tomei açaí com farinha de tapioca torrada de quebrar o dente
Tacacá na cuia com bastante camarão, folha de jambú e tucupí
Tacava-lhe farofa amarelinha na maniçoba quentinha
O cheirinho do caribé com manteiga não me sai da memória
Os bolinhos de crueira ou de farinha fritinhos na hora acabavam rápido 
O famoso mingau de banana grande com leite enchia a gente
Cada ruída de tucumã uma colher de baguda com café
O abacate era amassado com açúcar, leite em pó e farinha
Sem falar no suco de cupuaçu com caroço
Amassado com as mãos, feito pela mamãe
No vinho fresquinho de bacaba e de muruci
E pra matar a broca ata, abil, pitomba, uxi, ingá ou mari-mari
Pupunha cozida com sal e nem pensar em comer o coco do caroço
Porque deixaria quem comece burro de lascar o casco da canoa
Na banquinha de vendas do canto a pedida certa era flau com berlinda
Na Tia Santinha não podia faltar o bolo de macaxeira e o croquete
No lanche da manhã ou da tarde a famosa, única e original piçoleta
E para os mais chegados o beiju peteca, seco ou de tapioca lá da feira
Ah... castanha cristalizada nas festas quanto mais comia mais queria...
Tu é leso é? Comidas como as de lá não se vê pelas bandas daqui
Calderada de tucunaré e na brasa com pimenta o famoso tambaqui
Axi que o desfiado de pirarucu seco e o piracuí não são tão pitiús
Mas tem peixe que só pode se comer assado e na hora, como o mapará
Ta bem na foto quem tem o prazer de degustar os sabores do Pará
Espiar o pôr do sol na margem do rio ou de dentro de uma embarcação
É uma imagem ímpar de beleza sem igual que enchem meus olhos d’água
Tibum... tchobou... dentro do igarapé gelado da saudosa Laudica
Tibum... tchobou... na praia do Caipurú, Mirizal e Ponta do Violão
Tibum... tchobou... na cachoeira do Jatuarana a beira da estrada
Tibum... tchobou... na orla do Iripixi ou no trapiche da cidade
Tibum... tchobou... na Paragás ou na Barreirinha
Todos os anos grandes festivais na Fazenda Tucumã
Os bailes nos clubes da cidade: Natureza, Bancrévea e Santo Antonio
Eram embalados pela Banda Frisson ou pelas aparelhagens
Lembro-me da lambada, do tecnobrega, do carimbo e dos festivais
O do Nicolino era o mais falado com danças inesquecíveis
Apreciar na Praça do Centenário o mirante, os peixes e o come pinto
Vê se me erra aquele que só fala budida na vida pra se aparecer
Quem é do Cachoeri fala alto, rápido, atropelando as palavras 
Mas para, mas vixe, mas credo, mas oh, mas quando expressões tão vivas
Em medidas o “P” não é de pequeno, e sim de purrudo
E o “G” não é do tamanho grande, e sim de gitinho
Quem sai de Orixi tiquinho não pode voltar cheio de pavulagem
Se não vai servir de caçoada e vai ter que se orientar
Di rocha quem ficasse no sereno ficaria resfriado
E ainda tem quem diga que manga com leite dava dor de barriga
Gostoso mesmo é ela apanhada verde e comida com sal
Os papudinhos da rua sempre altos de cachaça
As faladeiras sempre de plantão e eu capava o gato
Quem nunca teve medo de mucura ou de mata-mata?
Quem nunca correu de assombro da loira do Tonhão?
Quem nunca ficou apavorado com os rezadores de alma?  
Seja curumim ou cuiantã, ribeirinho do interior do interior, caboclo da cidade
É povo bom e hospitaleiro que se espoca de tanto rir quando a piada é boa
Ta bom pra ti parente? Hein manozinho? Humm humm paresque ta...
Pinduca, grande figura popular canta “Terra boa é o Pará”
Deixei com pesar meu chão, mas um dia quero voltar pra matar
Tantas saudades que sinto de lá, do meu grande e suntuoso Pará

sábado, 17 de maio de 2014

Andando no escuro

Não sei discernir o claro do escuro
Só enxergo o nada
E tem cor de coisa nenhuma
Andando sempre no vazio
Como se não houvesse obstáculos
Só sei que há entraves quando caiu
E me levanto devagar
Com medo de dar outro passo
Receando o terreno desconhecido
As vozes são tão indiferentes
Além de cego me sinto invisível
Não como um super-herói com poder de sumir
Mas como uma folha seca caída na calçada
Sem a utilidade de virar adubo
Muitos enxergam sem ver nada
Muitos veem sem enxergar coisa alguma
Acordar, abrir os olhos sem ver o horizonte
Quantos dias mais...
O tempo passa e meu relógio continua parado
Em pé estou frente à parede
Sem galgar
Sem piscar
Sem lacrimejar
O retrocesso é via que me conduz